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Sentar em “W”: A posição que tira o sono dos pais

Sentar em "W"

Conteúdo

Você já olhou para seu filho brincando no chão e percebeu que as pernas dele formam um “W” perfeito? Essa posição, conhecida como W-sitting ou sentar em W, é, portanto, uma das maiores fontes de ansiedade para pais e cuidadores modernos. Além disso, entre informações conflitantes na internet e opiniões divergentes de profissionais, é natural que surjam dúvidas sobre quando essa postura é normal e quando pode indicar problemas no desenvolvimento infantil.

Dessa forma, o objetivo deste guia é trazer clareza para essa discussão, com uma visão baseada em evidências de especialistas como fisioterapeutas e ortopedistas pediátricos.

Por que as crianças preferem sentar em “W”? A ciência por trás da postura

Contrariando o senso comum, o sentar em W não é um “mau hábito” , pelo contrário, essa postura é, na maioria das vezes, uma solução inteligente e eficiente para a anatomia de uma criança em desenvolvimento. As duas principais razões são:

Anteversão Femoral: A base anatômica natural

A principal razão pela qual crianças adotam naturalmente a posição W está relacionada à anteversão femoral – uma característica anatômica normal em crianças pequenas. Esta condição envolve:

  • Torção natural do fêmur: Ou seja, o osso da coxa apresenta uma rotação interna que facilita o encaixe estável na articulação do quadril
  • Correção espontânea: Essa angulação se normaliza gradualmente com o crescimento, geralmente desaparecendo completamente na adolescência
  • Vantagem biomecânica: Na posição W, essa anatomia proporciona máxima estabilidade articular

Busca instintiva por estabilidade postural

O W-sitting oferece benefícios biomecânicos únicos para crianças em desenvolvimento:

  • Base de apoio ampliada: Cria uma superfície de contato maior com o solo
  • Menor demanda muscular: Reduz significativamente o esforço dos músculos do core para manter o equilíbrio
  • Liberação das mãos: Permite concentração total na atividade lúdica sem preocupação com a estabilidade
  • Otimização energética: Estratégia eficiente de conservação de energia para atividades prolongadas

Vilão ou apenas uma fase? O que dizem os especialistas

A controvérsia sobre o sentar em “W” surge principalmente devido às diferentes perspectivas entre ortopedistas e fisioterapeutas, o que, consequentemente, gera opiniões divergentes sobre a postura.

Perspectiva da ortopedia pediátrica

Portanto, os ortopedistas pediátricos baseiam suas recomendações em evidências científicas robustas:

  • Ausência de causalidade: Não existe relação comprovada entre o sentar em W e problemas ortopédicos estruturais em crianças neurologicamente típicas
  • Consequência, não causa: A postura é resultado da anteversão femoral, não sua causadora
  • Resolução natural: A maioria das preocupações se resolve espontaneamente com o crescimento

Abordagem da fisioterapia e terapia ocupacional

Fisioterapeutas pediátricos e terapeutas ocupacionais focam nos aspectos funcionais e de desenvolvimento:

Preocupações com o uso prolongado:

  • Enfraquecimento do core: Dependência da estabilidade passiva pode reduzir o fortalecimento natural dos músculos abdominais e do tronco
  • Limitação da rotação de tronco: Dificuldade para cruzar a linha média corporal, essencial para habilidades bilaterais
  • Encurtamento muscular adaptativo: Manutenção prolongada pode causar tensão em músculos do quadril e coxa
  • Redução da variabilidade postural: Menor exposição a diferentes desafios posturais

Em síntese, o consenso atual indica que a chave está na variedade postural, em vez de na proibição absoluta.

Sentar em “W” e Hipermobilidade: Identificando sinais de alerta importantes

Se seu filho senta apenas ou predominantemente em “W” e, além disso, tem dificuldade em adotar outras posturas, isso pode ser um indicador valioso de condições subjacentes que merecem atenção especializada.

Hipermobilidade Articular: O que observar

A hipermobilidade articular é uma característica hereditária do tecido conjuntivo que, por fim, resulta em:

  • Articulações mais flexíveis: Amplitude de movimento além do normal
  • Menor estabilidade intrínseca: Dificuldade em manter posições sem apoio externo
  • Compensação postural: O W-sitting oferece a estabilidade que o corpo não consegue gerar internamente
  • Estratégia adaptativa: Resposta instintiva para superar limitações biomecânicas

Síndrome de Ehlers-Danlos e outras condições

Em alguns casos, a preferência extrema pelo sentar em W pode estar associada a:

  • Síndrome de Ehlers-Danlos: Distúrbio do tecido conjuntivo com hipermobilidade significativa
  • Hipotonia muscular: Redução do tônus muscular que afeta a estabilidade postural
  • Atrasos no desenvolvimento motor: Dificuldades na aquisição de marcos motores típicos

Sentar em “W” é sinal de autismo? A verdade que todo pai precisa saber

De fato, esta é uma das perguntas que mais chegam ao meu consultório, e entendo perfeitamente a preocupação por trás dela. A resposta direta é: não, sentar em “W” isoladamente não é um sinal diagnóstico de autismo. Mas existe uma conexão importante que merece sua atenção.

A relação entre postura em “W” e Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Crianças no Transtorno do Espectro Autista frequentemente apresentam hipotonia – ou seja, uma condição caracterizada por tônus muscular mais baixo que o esperado. Imagine tentar manter-se em pé em um barco balançando: é exatamente assim que essas crianças se sentem ao tentar manter uma postura ereta.

Por que isso acontece?

Devido à fraqueza nos músculos do tronco (core), manter uma postura estável exige um esforço considerável. Por isso, como uma estratégia de compensação natural e inteligente, essas crianças buscam posturas que ofereçam maior estabilidade – e a posição em “W” é extremamente eficaz nesse aspecto.

Autismo e sentar em “W”: Entendendo as diferenças

É importante destacar que:

Muitas crianças com desenvolvimento típico também sentam em “W”
Crianças com TEA podem usar essa postura com maior frequência e por períodos mais prolongados
A posição oferece a estabilidade necessária para que se concentrem no brincar sem se preocupar com o equilíbrio.

Guia prático para pais: Quando se preocupar e como agir

O simples ato de sentar em “W” não deve causar preocupação. No entanto, alguns sinais merecem avaliação profissional especializada

Sinais de alerta que requerem atenção médica:

Padrões posturais preocupantes:

  • Uso exclusivo da posição W, com desconforto evidente em outras posturas
  • Dificuldade significativa para transições posturais (criança parece “presa” na posição)
  • Resistência ou incapacidade de manter outras posições por períodos curtos

Sintomas físicos associados:

  • Queixas frequentes de dor nas pernas ou fadiga muscular
  • Quedas frequentes e coordenação motora prejudicada
  • Sinais evidentes de fraqueza muscular no tronco (“molinho”)
  • Marcha in-toeing (pés virados para dentro) persistente após 10-12 anos

Quando e como buscar ajuda:

  1. Primeira consulta: Pediatra para avaliação inicial e possível encaminhamento
  2. Especialistas indicados: Ortopedista pediátrico ou fisioterapeuta especializado em desenvolvimento infantil
  3. Avaliação multidisciplinar: Em casos complexos, pode incluir terapeuta ocupacional e neurologista pediátrico

Estratégias práticas para promover variedade postural

No entanto, se a preocupação é apenas com o hábito postural, existem abordagens eficazes e gentis para incentivar a diversidade sem, assim, criar conflitos.

Técnicas de incentivo positivo:

Linguagem encorajadora:

  • ✅ “Vamos experimentar sentar como borboleta?”
  • ✅ “Que tal sentar como os índios faziam?”
  • ❌ “Não sente assim!” ou “Essa posição é errada!”

Modificações ambientais estratégicas:

  • Bancos baixos e almofadas para elevar ligeiramente a criança
  • Pufes e assentos alternativos durante atividades
  • Mesas baixas que naturalmente incentivem outras posições
  • Tapetes texturizados que tornem outras posições mais confortáveis

Sendo assim, o fortalecimento dos músculos centrais é a estratégia mais eficaz para reduzir a dependência da posição W, proporcionando à criança a estabilidade interna necessária.

Atividades lúdicas para fortalecer o core:

Jogos de movimento:

  • Andar de caranguejo: Fortalece abdômen, ombros e coordenação
  • Amarelinha: Desenvolve equilíbrio unipodal e força de membros inferiores
  • Polichinelo: Coordenação bilateral e resistência cardiovascular
  • Yoga infantil: Posturas como gato-vaca e prancha adaptada

Mitos e Verdades sobre o sentar em W

❌ MITOS COMUNS:

  • “Causa problemas ortopédicos permanentes”: Não há evidência científica
  • “Deve ser proibido imediatamente”: Abordagem muito restritiva pode gerar conflitos
  • “É sinal de preguiça ou má educação”: É uma resposta anatômica natural
  • “Causa deformidades nos ossos”: A anteversão femoral é fisiológica e se corrige naturalmente

✅ VERDADES BASEADAS EM EVIDÊNCIAS:

  • É uma adaptação inteligente à anatomia infantil
  • A variedade postural é mais importante que a proibição
  • Pode indicar hipermobilidade quando usado exclusivamente
  • O fortalecimento do core é a melhor solução a longo prazo
  • A maioria das crianças abandona naturalmente a posição com o crescimento

Conclusão: Transformando preocupação em ação consciente

Em suma, o sentar em W representa muito mais que uma simples postura infantil – é uma janela para compreendermos as necessidades únicas de desenvolvimento de cada criança. Como pais e cuidadores, nossa missão não é eliminar comportamentos naturais, mas sim criar um ambiente rico em oportunidades para o crescimento saudável e harmonioso.

Portanto, a jornada do desenvolvimento infantil é repleta de fases transitórias que, quando compreendidas com sabedoria e paciência, se transformam em degraus sólidos para um futuro mais forte. O W-sitting é apenas uma dessas fases – uma estratégia temporária que o corpo inteligente da criança utiliza enquanto constrói suas próprias fundações de estabilidade e força.

Lembre-se sempre: cada criança é única, criada com propósito e dotada de uma capacidade extraordinária de adaptação e crescimento. Ao observarmos com amor, agirmos com conhecimento e confiarmos no processo natural de desenvolvimento – sempre sob a orientação sábia do Criador – estamos oferecendo o melhor presente que podemos dar: a oportunidade de crescer com confiança, força e alegria.

Que este conhecimento traga paz ao seu coração e sabedoria às suas decisões. Afinal, criar filhos saudáveis e felizes é uma das maiores bênçãos que podemos experimentar nesta vida.

Orientação Final: Se ainda restam dúvidas sobre a postura do seu filho, lembre-se de que uma consulta com um profissional qualificado sempre trará mais tranquilidade e direcionamento personalizado para sua família.


Bibliografia

Nordon DG, Passone CGB, da Silva CAA, Grangeiro PM. W-SITTING IN CHILDHOOD: A SYSTEMATIC REVIEW. Acta Ortop Bras. 2025 Jan 10;32(6):e279277. doi: 10.1590/1413-785220243206e279277. PMID: 39802577; PMCID: PMC11723520.
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11723520/


Leia também: Hipermobilidade e Autismo na Infância: Estratégias para Superar os Desafios do Desenvolvimento Motor

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Dra Kaliny Cristine Trevezani de Souza
Pediatra e Cardiologia Pediátrica
CRMDF 20469 / RQE 12424 / RQE 12456

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