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Autismo além do cérebro: por que o TEA não é apenas “mental”?

Autismo além do cérebro

Conteúdo

Se você convive com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o autismo, seja em si mesmo, em seus filhos ou entes queridos, é provável que a complexidade da condição vá muito além dos desafios de comunicação e interação social. A neurociência moderna tem reforçado isso de maneira consistente.

Recentemente, a pesquisa na área da saúde nos convida a expandir nosso olhar e, além disso, nos mostra que o TEA não vive isolado. Pelo contrário, ele existe em um contexto mais amplo de Transtornos do Neurodesenvolvimento (NDDs) e, de forma crucial, está interligado a uma série de condições físicas e sistêmicas.

Dessa forma, compreender essa totalidade nos ajuda a enxergar a pessoa neurodivergente de maneira integral e, consequentemente, buscar um cuidado que acolha tanto a mente quanto o corpo.

TEA: no coração dos transtornos do neurodesenvolvimento

O TEA é definido como um grupo de condições do neurodesenvolvimento que são clínica e etiologicamente heterogêneas. Suas características centrais envolvem diferenças na comunicação e interação social, juntamente com padrões de interesses restritos e comportamentos repetitivos e estereotipados.

Entretanto, o consenso crescente na comunidade científica é que a comorbidade é a regra, e não a exceção. O TEA é frequentemente discutido no âmbito das Síndromes Sintomáticas Precoces que Eliciam Exames Clínicos Neurodesenvolvimentais (ESSENCE), um termo que reconhece que vários problemas neurodesenvolvimentais surgem cedo e coexistem.

Quais são os principais “vizinhos” do TEA neste espectro?

  • TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade): A sobreposição do TEA com o TDAH é extremamente comum, chegando a uma ocorrência de até 66% em alguns estudos. O TDAH, caracterizado por desatenção e hiperatividade/hipoatividade, é também listado como um problema ESSENCE.
  • Síndrome de Tourette (ST): Condições crônicas de tiques, como a ST, frequentemente coexistem com o TEA e outras NDDs, apresentando uma sobreposição de cerca de 60%.
  • A Carga Sintomática do ESSENCE: Em crianças com distúrbios de tecido conjuntivo (DHTCs), os problemas ESSENCE que se sobrepõem ao TEA incluem anormalidade motora, desatenção, problemas de fala/linguagem, interação social, problemas comportamentais, dificuldades de sono, alimentação e problemas emocionais.

Além disso, a sobreposição entre TEA, TDAH e ST é tão significativa que sugere uma origem genética parcialmente compartilhada.

O Elo invisível: quando o tecido conjuntivo interliga tudo

Uma descoberta relevante é que muitos NDDs, incluindo o TEA, compartilham uma comorbidade física pouco discutida: a frouxidão do tecido conjuntivo, como a hipermobilidade articular e condições relacionadas, como a Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), transtorno do espectro de hipermobilidade (TEH) e hipermobilidade articular generalizada (ou frouxidão ligamentar).

Como o tecido conjuntivo está presente em todo o corpo — incluindo o sistema nervoso, os vasos sanguíneos e os órgãos — sua fragilidade pode, portanto, gerar efeitos multissistêmicos.

A Hipótese do Connectivoma

A teoria do Connectivoma sugere que o tecido conjuntivo pode ser o “grande unificador” das estruturas corporais. Assim, TEA e suas comorbidades não podem ser entendidos apenas pelo cérebro, mas por um envolvimento multissistêmico envolvendo sistema imune, sensório-motor e eixo intestino-cérebro. Um transtorno do tecido conjuntivo pode influenciar características neurodesenvolvimentais e contribuir para a sintomatologia autista.

Sinais físicos comuns

Além disso, indivíduos com TEA, TDAH e ST apresentam maior probabilidade de ter pés planos, hipersensibilidade sensorial e anomalias físicas menores (MPAs), o que indica alterações precoces na embriogênese.

O mosaico de condições associadas

Quando o TEA ocorre junto a um DHTC, o quadro clínico torna-se ainda mais complexo, incluindo dor, disfunção autonômica e desafios emocionais.

O corpo neurodivergente e a dor

Nesse sentido, a hipermobilidade atua como um mediador-chave que conecta a neurodivergência à dor crônica. O risco de cronificação da dor é elevado em pessoas autistas e, além disso, a dor musculoesquelética crônica é uma queixa comum em adultos autistas.

Disfunção autonômica (Disautonomia)

A disfunção do sistema nervoso autônomo é uma característica marcante, especialmente quando associada à hipermobilidade, podendo causar intolerância ortostática, variações de pressão arterial e frequência cardíaca.

A vulnerabilidade do sistema gastrointestinal

Pessoas no espectro autista já apresentam um risco elevado de problemas gastrointestinais (GI). A presença de Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), TEH e hipermobilidade articular generalizada/HA intensifica sintomas como constipação, dor abdominal e refluxo.

O componente hormonal e de gênero

As mulheres autistas, em particular, enfrentam uma carga mais alta de comorbidades médicas e psiquiátricas crônicas em comparação com homens autistas. O TEA está ligado a condições que envolvem o sistema esteroide sexual, como a Síndrome do Ovário Policístico (SOP) e irregularidades do ciclo menstrual.

Neurobiologia e propriocepção

A frouxidão do tecido conjuntivo prejudica a propriocepção, afetando o desenvolvimento motor. Estudos mostram sobreposição entre TEA e hipermobilidade em diferenças cerebrais relacionadas à dor e processamento emocional.

Navegando na complexidade: implicações práticas de cuidado

A principal mensagem que as fontes transmitem é a necessidade urgente de uma abordagem interdisciplinar e um olhar de apoio.

Reconhecimento e rastreamento precoce

Profissionais que atendem crianças com problemas ESSENCE (incluindo TEA) devem considerar a possibilidade de um DHTC, como Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), TEH e hipermobilidade articular generalizada. Essa compreensão melhora encaminhamento, diagnóstico e tratamento.

É essencial ouvir o paciente. Muitas pessoas com TEA e hipermobilidade relatam longas jornadas de diagnóstico e pouca compreensão clínica.

Cuidado multidisciplinar

O gerenciamento dessas condições complexas exige uma abordagem multidisciplinar.

As intervenções não devem se limitar aos sintomas neurocomportamentais ou psiquiátricos, mas devem abordar o bem-estar físico integral.

  • O objetivo do tratamento deve ser a melhoria da Qualidade de Vida (QoL), da função e do bem-estar psicológico.
  • A hipermobilidade está associada a transtornos de ansiedade e depressão. Intervenções psicológicas e terapias ocupacionais/fisioterápicas são essenciais. A fisioterapia, por exemplo, pode visar a melhoria da propriocepção (que é prejudicada no Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), TEH e hipermobilidade articular generalizada/TEA), a força muscular e a estabilidade articular.

Enfrentando os desafios sociais

A complexidade dos sintomas e a necessidade de modificação de comportamentos (como restrições de atividades ou pacing) podem levar a dificuldades significativas. Pacientes relatam isolamento social, desmoronamento das redes sociais e perda de grupos sociais. Oferecer apoio e cuidado significa também reconhecer e mitigar o impacto psicossocial da dor, da fadiga e da incerteza.

Ao considerar o TEA como uma condição conectada a outros NDDs e ao funcionamento físico do corpo, especialmente pelo papel do tecido conjuntivo, abrimos espaço para intervenções mais completas, compassivas e eficazes. Entender essa interconexão é um ato fundamental de cuidado humano.


Bibliografia

Leia também: para além do rótulo do autismo

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Kaliny Trevezani

Médica Pediatra - CRMDF 20469 / RQE 12424

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Dra Kaliny Cristine Trevezani de Souza
Pediatra – CRMDF 20469 / RQE 12424

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