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Disautonomia em Crianças com Autismo: Como Reconhecer os Sinais e Sintomas em seu Filho

disautonomia

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Quando falamos em saúde, muitas vezes focamos nas doenças mais conhecidas: diabetes, hipertensão, asma… Mas há uma série de condições que afetam a qualidade de vida de muitas pessoas, sem que elas sequer saibam como nomear aquilo que enfrentam. A disautonomia é uma dessas condições invisíveis, complexas e desafiadoras.

Em meus anos de experiência como pediatra que trabalha com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Hipermobilidade, já presenciei inúmeros histórias de dor silenciosa e desafios relacionados a disautonomia. Muitos apresentam um conjunto de sintomas que, a princípio, parecem desconexos: fadiga extrema, tontura, problemas gastrointestinais e dificuldade para regular a temperatura do corpo. Esses sinais, que muitas vezes são atribuídos à ansiedade ou ao estresse, na verdade, podem indicar algo mais profundo.

A disautonomia, por definição, refere-se à disfunção do sistema nervoso autônomo, que controla funções involuntárias do corpo como a regulação da pressão arterial, frequência cardíaca, digestão e temperatura corporal. Quando falamos sobre disautonomia no contexto do TEA, a complexidade aumenta. Pacientes com autismo já enfrentam um grande desafio na regulação de suas respostas sensoriais e emocionais, e a disautonomia acrescenta uma nova camada de dificuldade ao seu dia a dia.

O que é Disautonomia? Um olhar clínico e pessoal

Disautonomia é um termo amplo que descreve várias condições que afetam o funcionamento do sistema nervoso autônomo, incluindo Síndrome de Taquicardia Postural Ortostática (POTS) Disautonomia Primária. Essas condições afetam as funções automáticas do corpo, como respirar, manter a pressão sanguínea e a temperatura corporal.

Quando o sistema nervoso autônomo falha, tarefas cotidianas simples, como levantar da cama ou caminhar, podem resultar em sintomas severos, como tontura, palpitações e até desmaios. No entanto, a disautonomia não se manifesta de maneira uniforme. Seus sintomas variam de pessoa para pessoa, e é justamente isso que dificulta o diagnóstico e o manejo. 

Os sintomas da disautonomia incluem: 

  • Problemas de equilíbrio e tontura: A tontura, especialmente ao levantar-se rapidamente, pode ser um sintoma de disautonomia. Isso ocorre devido a uma falha no mecanismo de compensação da pressão arterial, o que resulta em episódios de hipotensão ortostática.
  • Desmaios e sensação de quase desmaio: Pacientes relatam episódios de síncope (desmaio) ou sensação de quase desmaio (presíncope), que podem ocorrer ao se levantar ou durante atividades cotidianas.
  • Náuseas e vômitos: Problemas gastrointestinais, como náuseas, vômitos, constipação ou diarreia são frequentes. Esses sintomas refletem a disfunção no controle autonômico da motilidade intestinal.
  • Frequência cardíaca alterada: Pacientes podem apresentar taquicardia (aumento da frequência cardíaca) ou bradicardia (diminuição da frequência cardíaca) sem causa aparente.
  • Dificuldades respiratórias e falta de ar: Muitos pacientes experimentam dificuldade para respirar, mesmo sem estar em um esforço físico intenso. A disautonomia pode comprometer a regulação do diafragma e dos músculos respiratórios.
  • Alterações na visão e sensibilidade à luz: A disautonomia pode afetar a capacidade dos olhos de se ajustarem à luz, causando visão turva ou dificuldades para enxergar em ambientes com iluminação variada. Além disso, a sensibilidade excessiva à luz é comum.
  • Intolerância ao exercício e fadiga extrema: Pacientes com disautonomia frequentemente apresentam intolerância ao exercício físico. A frequência cardíaca e a pressão arterial não se ajustam corretamente durante a atividade física, resultando em exaustão e cansaço.   

Disautonomia no Autismo: Uma realidade muitas vezes ignorada

Estudos recentes mostram que a disautonomia é mais prevalente em pacientes com TEA do que se pensava anteriormente. Uma pesquisa publicada no Journal of Autism and Developmental Disorders identificou que pessoas com TEA frequentemente apresentam sintomas de disautonomia, incluindo alterações de temperatura corporal, intolerância ao exercício, desregulação gastrointestinais e problemas cardíacos, como taquicardia e hipotensão.

Isso ocorre porque, no autismo, o sistema nervoso simpático e parassimpático podem estar desregulados, comprometendo o equilíbrio entre o estado de “luta ou fuga” e o de “descanso e digestão”. Assim, crianças e adolescentes autistas podem experimentar crises de pânico, alterações bruscas de humor e dificuldades para realizar atividades simples, como comer ou dormir, que podem ser erroneamente interpretadas como crises comportamentais ou emocionais.

Crianças que relatam dores no peito, dificuldade de respirar ou palpitações costumam ser diagnosticadas com transtornos de ansiedade. Isso ocorre porque o sistema nervoso autônomo é regulado, em parte, pelo sistema límbico, responsável pelas respostas emocionais. Assim, uma alteração na regulação autonômica pode desencadear sintomas semelhantes aos de um ataque de pânico ou crise de ansiedade, levando a diagnósticos equivocados.

Além disso, pacientes com TEA e disautonomia frequentemente apresentam hipermobilidade articular, uma condição caracterizada pela frouxidão excessiva das articulações e, algumas vezes, pode estar associada à Síndrome de Ehlers-Danlos (SED). A hipermobilidade afeta não apenas as articulações, mas também os vasos sanguíneos, causando intolerância ortostática e comprometimento da circulação. Um estudo publicado na Frontiers in Psychology indicou que entre 50-70% dos pacientes autistas têm algum grau de hipermobilidade articular, o que predispõe ao desenvolvimento de disautonomia

Sintomas: O que procurar?

Ao atender meus pacientes autistas, sempre fico atenta aos sinais mais sutis de disautonomia, como:

  • Oscilações de temperatura corporal: Muitos relatam calafrios ou ondas de calor sem explicação aparente. Essa desregulação é comum na disautonomia e pode causar extremo desconforto.
  • Problemas de visão: Alguns pacientes experimentam visão embaçada ou alterações nas pupilas (pupilas dilatadas ou contraídas), como ilustrado na imagem.
  • Dores no peito e falta de ar: Esses sintomas podem ser interpretados como ansiedade, mas é essencial verificar a função cardíaca nesses casos.
  • Problemas gastrointestinais: Constipação crônica, diarreia e dor abdominal são frequentes em pacientes com TEA e disautonomia. A disautonomia afeta a motilidade intestinal, tornando a digestão um processo desafiador.
  • Dificuldade em engolir: A sensação de “bolo na garganta” ou dificuldade para engolir é um sintoma comum, que muitas vezes não é associado ao TEA, mas sim a disfunções do sistema nervoso autônomo.
  • Intolerância ortostática: Levantar-se rapidamente pode causar tontura intensa e, em alguns casos, desmaios. Esse sintoma é característico da vaso-vagal, uma das manifestações mais comuns de disautonomia em pacientes autistas.

Esses sintomas variam em intensidade e frequência, o que torna o diagnóstico ainda mais complicado. Muitas vezes, os pais e profissionais de saúde atribuem essas manifestações a comportamentos “típicos” do TEA, como crises de sobrecarga sensorial ou reações emocionais exacerbadas. No entanto, é importante olhar além do comportamento e considerar a disautonomia como uma possível causa subjacente.

Minha experiência com pacientes de TEA e Disautonomia

Recordo-me de uma paciente de 10 anos que acompanhava por suas queixas constantes de tontura e crises de choro. Sua mãe acreditava que ela estava apenas tendo “crises de ansiedade”, e por isso, ela havia passado por diversos psiquiatras e psicólogos antes de chegar ao meu consultório. Ao investigar mais a fundo e realizar um teste de inclinação ortostática (Tilt Table Test), identificamos que a paciente apresentava sintomas claros de POTS. Esse diagnóstico mudou completamente a abordagem do seu tratamento.

Depois de iniciar um plano de manejo que incluía compressão venosa, aumento da ingestão de sal e líquidos, e um plano de exercícios adaptados, a melhora foi significativa. Com o tempo, suas crises de tontura diminuíram, e a menina passou a se sentir mais segura e disposta para realizar atividades cotidianas. O mais emocionante foi ver o alívio no rosto da mãe ao perceber que as queixas de sua filha não eram “frescura” ou “manipulação”, mas sim uma condição real que precisava ser tratada.

Tratamento da Disautonomia no TEA: Um desafio de gestão e suporte

Infelizmente, não há cura para a disautonomia. O tratamento no contexto do TEA é desafiador e deve ser personalizado. É necessário abordar tanto os sintomas físicos quanto os emocionais para alcançar um manejo eficaz. Aqui estão algumas estratégias terapêuticas que têm mostrado bons resultados:

  1. Manejo dos Sintomas Cardíacos e Vasculares:
    • Aumentar a ingestão de líquidos e sal (quando indicado). A ingestão adequada de líquidos e sal pode ajudar a melhorar o volume sanguíneo, reduzindo a frequência dos episódios de hipotensão (pressão baixa) ortostática.
    • Uso de meias de compressão para reduzir a intolerância ortostática. Nem sempre a criança ou adolescente irá tolerar o uso da meia. Uma tentativa é o uso de meias coloridas, com personagens, isso talvez ajude.
    • Em alguns casos, medicamentos podem ser prescritos para ajudar no controle dos sintomas 
  2. Adaptação do Estilo de Vida:
    • Praticar exercícios físicos leves e de baixo impacto, como natação ou pilates, pode melhorar o tônus muscular e a circulação, sem sobrecarregar o sistema autonômico.
    • Evitar mudanças bruscas de posição. Ensinar a criança ou adolescente a levantar devagar.
    • Acompanhamento com fisioterapeutas para ajudar no fortalecimento muscular sem sobrecarregar o sistema autonômico.
  3. Suporte Psicológico e Educacional:
    • O impacto emocional da disautonomia no TEA não se limita ao físico. É importante oferecer suporte emocional e estratégias para lidar com a ansiedade e o estresse que acompanham os sintomas. Além disso, envolver a escola no processo de adaptação é fundamental para garantir o bem-estar dessas crianças e adolescentes.

A Importância do acolhimento e da compreensão

Diagnosticar e tratar a disautonomia no TEA é um desafio, mas também é uma oportunidade de oferecer um cuidado realmente eficaz e transformador. Cada paciente tem uma história única e merece ser ouvido com atenção e acolhimento. Entender que os sintomas físicos não são “manipulação” ou “frescura” é o primeiro passo para construir um espaço seguro para essas crianças e adolescentes.

Se você é um profissional de saúde, convido-o a se aprofundar mais nesse tema e a considerar a disautonomia no seu raciocínio clínico. Se você é pai ou mãe de uma criança com TEA que apresenta sintomas de disautonomia, saiba que há ajuda disponível e que, com o diagnóstico e manejo corretos, a qualidade de vida pode melhorar significativamente. Agende uma consulta com um profissional de sua confiança para investigação e se precisar, conte comigo.

Compartilhe este artigo para ajudar a aumentar a conscientização sobre disautonomia no TEA e para que mais famílias encontrem a orientação e o apoio de que precisam. 💙


Dra. Kaliny Cristine Trevezani de Souza
Médica Pediatra
CRMDF 20469 | RQE 12424

Leia também: Autismo não é raro! Precisa aprender a olhar

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