Cada vez mais observo crianças e adolescentes hipermóveis com alterações relacionadas a alimentação e ao sistema gastrointestinal. Dentre os sintomas mais comuns temos náusea, vômito, refluxo gastroesofágico, constipação, diarreia, dor na barriga, dor no estômago, disbiose, gastroparesia, disabsorção.
O tecido conjuntivo é o culpado?
Parte da causa responsável pela disabsorção de nutrientes tem a ver com a estrutura do tecido conjuntivo desses pacientes. O tecido conjuntivo é responsável por muitas funções no corpo, dentre elas o transporte de nutrientes e oxigênio para as células. Pensando nisso, entendemos porque os hipermóveis necessitam manter o nível de nutrientes no sangue elevados.
Inclusive, no livro do DAENS tem um capítulo que menciona a dificuldade observada nos pacientes quanto a chegada de nutrientes e oxigênio para as células.
A nutrigenética e nutrigenômica podem dar a resposta
Tenho visto, com frequência, alterações em genes e enzimas responsáveis por:
- digestão de alimentos
- metabolização
- transporte de nutrientes
Dentre eles mutações no gene CONT e MTHFR, e deficiência na produção da enzima DAO, gastrina, pepsina, dentre outras. Devido à alta frequência dessas alterações incluo para alguns pacientes o teste genético nutricional, que me permite direcionar a suplementação alimentar.
A disbiose na Síndrome de Ehlers Danlos
Outra situação comum é a presença de distensão abdominal (barriga inchada). Geralmente, temos como causa alteração da microbiota intestinal. Inclusive, um estudo recente mostra a relação da presença de constipação intestinal nos pacientes SED com disbiose.
A disbiose acontece quando há um desequilíbrio da flora no intestino. Isso pode ocorrer por diversos motivos, que incluem: o uso de antibióticos, a baixa ingestão de fibras e alterações do sistema imunológico (síndrome de ativação dos mastócitos, por exemplo).
A alteração na microbiota também pode agravar a síndrome de ativação dos mastócitos e pode, inclusive, ser consequência dela.
Síndrome de Ativação de Mastócitos e intolerâncias alimentares
A síndrome de ativação de mastócitos (SAM) é muito comum nas pessoas com hipermobilidade ou SED. As pessoas que apresentam SAM costumam ter muitas alergias e intolerâncias alimentares, que podem se manifestar com:
- dor na barriga
- diarreia
- prisão de ventre
- barriga inchada
- náusea
- vômito
- má absorção intestinal
- gastroparesia
Além disso, também pode ocorrer:
- taquicardia
- pressão baixa ou alta
- falta de ar
- fadiga
- inchaço no corpo
- dor muscular
- dor de cabeça
- sonolência
- pernas inquietas
- dentre outros
Gastroparesia
Muitos pais me procuram preocupados com os sintomas de gastroparesia.
A gastroparesia é a redução do esvaziamento gástrico.
Comumente, é aquela criança que não sente fome pela manhã ou pula refeição, as vezes, com presença de dor. Há a possibilidade de evolução para sintomas mais sérios, como vômitos, desnutrição. Nos casos mais graves, há perda da capacidade de se alimentar.
Os sintomas podem ser causados ou agravados por SAM, disautonomia, alterações no nervo vago, hipermobilidade cervical, dentre outras causas.
A gastroparesia favorece a proliferação de bactérias no intestino piorando os sintomas de disbiose e, consequentemente, da SAM que, por sua vez, pode desencadear ou agravar vários outros sintomas (incluindo a fadiga e a disautonomia). Quem tem gastroparesia pode ter seus sintomas retroalimentados e agravados por esse ciclo de causa e efeito.
Como cuidar dos sintomas?
A condução de cada caso deve ser individualizada.
A abordagem das deficiências nutricionais deve incluir o tratamento das causas. Não devemos pensar apenas na suplementação.
Várias estratégias podem ser empregadas visando reduzir os sintomas relacionados a SAM, a disfunção do sistema nervoso autonômico e a fadiga, promover o equilíbrio da flora intestinal e melhorar a digestão, a absorção e a metabolização de nutrientes.
Diário alimentar
Uma das primeiras coisas que peço para os pacientes com problemas de intolerância alimentar é um diário alimentar. Ele é importante para entendermos como se manifesta e relacionarmos com alimentos, ou não.
O diário deve ser feito por, no mínimo, sete dias. Os alimentos ingeridos no dia, incluindo os temperos, e os sintomas que a criança apresentou devem ser anotado. Clique aqui para baixar um modelo imprimível de diário alimentar.
Beber líquidos
Em minha orientação incluo beber mais líquidos ao longo do dia. Algumas estratégias podem ser adotadas para auxiliar a melhorar esse hábito, como o uso de alarmes e aplicativos de celular.
Sal
Em adolescentes é mais comum a presença de intolerância ortostática, síndrome vaso vagal ou síndrome da taquicardia postural (POTS). Se não há contraindicação, aumentamos também a quantidade de sal nos alimentos.
Dieta
Geralmente, quando conseguimos estabilizar a SAM e a disautonomia, os sintomas de gastroparesia amenizam, mas nem sempre ocorre. Após a investigação diagnóstica, ajustes na dieta podem reduzir os sintomas, mas, algumas vezes, medicações são necessárias.
Até pouco tempo atrás, considerávamos o intestino como um órgão de segunda classe. Hoje, entendemos que o intestino saudável é fundamental para o equilíbrio e a manutenção da saúde. Para isso que isso ocorra, é importante uma alimentação rica em fibras e proteínas, a introdução de alimentos pré-bióticos (banana-verde, gergelim) e pró-bióticos (kefir, missô), assim como a redução de açúcares e carboidratos refinados, alimentos processados e gorduras saturadas e trans.
Muitas vezes o acompanhamento deve ser feito com uma nutricionista especializada.
Suplementos alimentares
A suplementação com vitaminas, minerais, aminoácidos ou enzimas quase sempre é necessária. A indicação e dosagem é individual e depende de cada caso.
Suporte emocional
Problemas gastrointestinais são sempre muito complicados, isso porque o ato de comer envolve reuniões familiares, festas de aniversário, saídas ao ‘shopping’. É importantíssimo que a família seja apoiada e sinta segurança para realizar as intervenções necessárias. O suporte de um profissional qualificado para auxiliá-los a enfrentar essa adversidade é fundamental.
Se você seu filho apresenta problemas gastrointestinais eu recomendo agendar consulta com um profissional qualificado e de sua confiança para avaliação e início dos cuidados preventivos.
Texto escrito por
Dra Kaliny Cristine Trevezani de Souza – CRMDF 20469
As informações aqui contidas são meramente educativas e não têm a intenção de configurar consulta médica. Em caso de necessidade, agende um atendimento.
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Leia também: Hipermobilidade, você sabe o que é?
Bibliografia
Diagnosis of mast cell activation syndrome.
Nutritional Implications of Patients with Dysautonomia and Hypermobility Syndromes.
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